A anemia é um problema de saúde pública em Portugal

A anemia é um problema de saúde pública em Portugal

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Uma doença que em Portugal afeta um em cada cinco adultos não pode ser ignorada

A 26 de Novembro celebra-se o Dia da Anemia. A anemia é uma condição clínica invisível à maioria da população. Porquê? Os principais sintomas de alerta, como o cansaço, a falta de força, a irritabilidade, os problemas de concentração, a insónia ou a tensão arterial baixa, são associados a outras causas, passando de forma desapercebida à maioria das pessoas.

António Robalo Nunes, presidente do Anemia Working Group Portugal (AWGP), explica as causas desta doença e as repercussões que tem na qualidade de vida de muitos portugueses.

O que é a anemia?

A anemia é uma condição clínica que resulta da diminuição dos glóbulos vermelhos na circulação sanguínea (hemoglobina), comprometendo uma das ações mais vitais e nobres do organismo, o transporte de oxigénio a todas as células e tecidos do corpo.

Como se manifesta a anemia?

Na sequência dessa dificuldade de transportar oxigénio a todas as células e tecidos do organismo, as manifestações são muito abrangentes, podendo atingir todos os aparelhos e sistemas. Os sintomas são muito variáveis e talvez por isso inespecíficos.

Quais os sintomas?

O sintoma que é comum a todas as formas de anemia é o cansaço desproporcional. Uma pessoa que se sente muito cansada, muito fatigada, e incapaz de cumprir as atividades da vida diária. A pessoa terá também a sintomatologia de órgão, como dificuldades de concentração, dificuldades em dormir, alterações cutâneas da pele ou das mucosas. Pode atingir todos os sistemas e aparelhos do corpo. O que é importante é estar a atento a estes sintomas e valorizá-los.

Qual é a relação da anemia com a falta de ferro?

A falta de ferro é responsável, seguramente, por mais de metade dos casos de anemia. A principal causa é nutricional e dentro desta realidade é a anemia por deficiência de ferro. Um micronutriente essencial para a produção de glóbulos vermelhos. Cerca de 25% da população mundial tem alguma forma de anemia. Deste universo de pessoas, mais de metade é relativo à falta de ferro.

Esta percentagem de 50% também é válida para Portugal?

É semelhante. Quando realizámos um estudo epidemiológico em 2015 para tentar dimensionar o problema da anemia em Portugal, percebemos que na população adulta um em cada cinco portugueses tinha alguma forma de anemia. É um problema sério de saúde pública moderada ou grave. A principal causa da anemia também foi, como era previsível, a deficiência de ferro.

A perceção de portugueses com anemia mudou muito com este estudo?

Não conhecíamos o número exato. Existia a noção de muitos portugueses terem anemia, sobretudo pela prática diária. A Organização Mundial da Saúde calculava, com base no índice de desenvolvimento do país, que Portugal teria cerca de 15% de anemia na população. A realidade que o estudo EMPIRE, realizado pelo Anemia Working Group Portugal, mostrou é que esse valor é superior, cifrando-se nos 20%. Estes valores são diferentes da média existente na nossa situação geográfica. Estamos habituados a ver anemia em zonas fortemente carenciadas, nomeadamente África e América do Sul. Um em cada cinco portugueses adultos tem anemia. Este é um valor pouco europeu, mas a verdade é que foi a evidência do estudo de base epidemiológica referenciado aos Censos nacionais, com uma metodologia muito robusta, e que deu uma dimensão muito importante deste problema e que constitui um problema de saúde pública.

O número de pessoas diagnosticadas em Portugal com anemia corresponde a esta dimensão?

Não, por uma razão muito preocupante. Há um desconhecimento muito grande da doença. Neste mesmo estudo, conseguimos evidenciar a prevalência de anemia em um em cada cinco portugueses adultos. Nas pessoas em que efetivamente foi diagnosticada a anemia, mais de 80% das que tinham anemia não sabiam que a tinham. Ao não saber que a tinham, nunca tomaram nenhuma medida para a curar. Há uma amplificação do problema por falta de literacia e desconhecimento. Temos um problema entre mãos.

Um primeiro passo para minorar esta situação é contar com o apoio dos médicos de família?

Os médicos de família são parceiros importantíssimos na luta contra este problema. São a primeira linha de contacto com o doente e com a família e apanham todas as faixas etárias. A verdade é que isto é paralelo à própria anemia, que é uma condição que pode afetar desde o recém-nascido até ao idoso.

Para o AWGP, o que seriam as medidas adequadas para minimizar o desconhecimento desta condição clínica?

Por um lado, a informação. A sensibilização da população para valorizar os sintomas. Quando referi que o cansaço é um denominador comum a todos os quadros de anemia, as pessoas não o valorizam porque encontram explicações para o facto de estarem cansadas. Há outros sinais para estar atentos, como a perda de sangue, as alterações do sono, a falta de força.

Um segundo tema é a formação das várias especialidades médicas. Muitas vezes, as especialidades estão demasiado focadas naquilo que são os aspetos centrais da sua atuação e olham com menos atenção para as coisas menos específicas da sua área. A anemia é uma delas. É muito transversal, muito presente, e precisa de ser valorizada de uma forma mais ativa por algumas das especialidades. Há especialidades em que tem um peso muito grande, nas que abordam doenças crónicas como a cardiologia, a nefrologia ou a gastro, na oncologia. São especialidades nas quais a anemia é um fator de agravamento das doenças existentes. Nesse sentido, deve consistir num alvo a abater, na medida em que pode melhorar, e muito, a qualidade de vida do doente.

O estudo identificou, para já, a população adulta que tem anemia. E o resto da população?

Pela prática, acreditamos que existe também um problema com uma vasta dimensão junto da população que ainda não é adulta. Não sabemos os números. Queremos saber. Esse é o próximo passo. Está na nossa agenda de investigação tentar perceber qual é a dimensão do problema antes da fase adulta. Dos zero aos 18 anos. É necessário acautelar o crescimento e o desenvolvimento do jovem, o problema específico da adolescência e os problemas alimentares restritivos, os períodos menstruais das jovens adolescentes. Há todo um universo de situações que devem ser acauteladas. Queremos desenhar, em conjunto com as autoridades e com os decisores, políticas de educação para a saúde, educação nutricional e educação para o exercício, e medidas preventivas para que a pessoa chegue à fase adulta com uma carga menor de probabilidade de ter anemia do que aquela que tem hoje.

O que é o Anemia Working Group Portugal?

É uma associação científica. Nasceu em 2012 porque um grupo de profissionais de várias especialidades médicas chegou à conclusão que tinha uma inquietação comum: o peso e a importância que a anemia assumia nas suas especialidades. O grupo tem uma matriz multidisciplinar, onde cabem todas as especialidades médicas, atendendo a que a anemia afeta todo o ciclo de vida do homem. É uma associação aberta, com a lógica de formar e ajudar as diversas especialidades médicas a falarem umas com as outras sobre este assunto comum.

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