
Poster 04
Como evitar transfusões desnecessárias combatendo a anemia
Autores
FRANCISCO BISCHOFF
CENTRO HOSPITALAR S. JOÃO
Introdução: A transfusão de concentrados eritrocitários (CE) é a forma mais rápida e eficaz de se aumentar a hemoglobina e pode salvar vidas quando utilizada de forma apropriada. Entretanto, dependendo do cenário, pode ser ainda mais prejudicial ao doente1. Uma única unidade de CE está associada a uma chance duas vezes maior de se ter um infarto agudo do miocárdio ou um acidente vascular cerebral2.
Em Portugal, a prevalência da anemia na população chega a 20%, sendo que os mais afetados são as mulheres (20.8%), adultos jovens (22.8-30.5%), adultos mais velhos (>34 anos) (21%) e as grávidas (54.2%), conforme exposto pelo estudo português EMPIRE3.
No final dos anos 90, identificou-se o momento fundamental para se evitar transfusões desnecessárias: o diagnóstico precoce e tratamento apropriado da anemia4. Excluindo o pequeno número de doentes que necessitam de transfusões por hemorragia aguda, a anemia é o maior fator preditivo de transfusão de CE e esta é diretamente associada a desfechos negativos5.
Objetivo: Descrever os métodos atualmente conhecidos para se evitar a necessidade de transfusão de CE devido a existência pré ou pós-operatória de anemia.
Resultados:
Alternativas não farmacológicas
Dádiva autóloga perioperatória (DAP): A DAP surgiu nos anos 80 com o aparecimento da transmissão de HIV e hepatite C em transfusões, entrando em declínio a partir da metade dos anos 90 devido ao surgimento do Patient Blood Management e segurança na utilização de limiares de transfusão mais baixos6,7. Doentes submetidos a DAP correm mais risco de necessitarem de uma transfusão, normalmente por um timing inapropriado. No entanto esta técnica deve ser considerada em doentes com aloanticorpos que necessitem de sangue raro8.
Recuperação de Sangue Intra-Operatório (Cell Saver): São técnicas que consistem em recuperar o sangue presente em campos operatórios, sistemas de aspiração, ou outros locais, e reinfundir este sangue de volta ao doente. Possui especial importância para segurança do doente, em cirurgias com risco hemorrágico moderado a alto, quando a transfusão não é uma opção9. Apresenta uma redução do risco relativo de 38% para o uso de CE alogénico no perioperatório, sendo que a cirurgia ortopédica é a mais beneficiada, com uma redução de 54%10. Os riscos associados a estas técnicas são: contaminação bacteriana, embolia gasosa, nefrotoxicidade e distúrbios da coagulação.
Hemodiluição aguda normovolémica: A hemodiluição aguda normovolémica (HAN) consiste na retirada de um volume controlado de sangue imediatamente antes da cirurgia, em doentes com alta concentração de hemoglobina, sendo substituído por cristaloide ou coloide. Embora largamente estudada, a segurança e eficácia da HAN ainda é controversa. Para que a HAN comece a sua eficácia, a perda esperada de sangue na cirurgia deve ser mais de 50% do volume circulante, ou mais de 70% para se economizar uma unidade de CE11.
Alternativas farmacológicas
Diminuição das perdas: Muitos doentes utilizam medicações ou suplementos que interferem com a função plaquetária e podem causar hemorragias. Da mesma forma, doentes com fibrilhação atrial normalmente estão a utilizar um anticoagulante oral9. A identificação prévia de tais situações, assim como a presença de diátese hemorrágica (ex. Hemofilia, doença de von Willebrand) é importante para que se tomem as devidas medidas para redução de hemorragia.
Igualmente importante é a definição de um algoritmo para a rápida identificação e tratamento de distúrbios da coagulação específicos que possam surgir em determinados contextos, utilizando testes laboratoriais ou equipamentos point of care como o tromboelastograma12. O uso precoce de ácido tranexâmico demonstrou reduzir a mortalidade no contexto de trauma13.
Estímulo da Eritropoiese: O uso de agentes estimuladores da eritropoiese estão aprovados para cirurgias eletivas14 e na anemia induzida pela quimioterapia em doentes oncológicos15. Sua utilização foi sendo estendida para outros grupos com anemia sintomática, entretanto na prática clínica atual, o aumento do risco de morte e eventos tromboembólicos devem ser considerados cuidadosamente.
O uso de ferro parenteral aumenta os níveis de hemoglobina e reduz o número de transfusões, sem aumento significativo dos efeitos adversos, porém sem melhora da qualidade de vida ou redução da mortalidade16. A resposta eritropoiética pode ser aumentada em até 5 vezes. A principal limitação é o armazenamento do ferro no sistema reticuloendotelial, onde não está prontamente disponível.
Melhorar o transporte de oxigénio: Vários Carreadores de Oxigénio Baseados em Hemoglobina (COBH) foram avaliados desde os anos 80, mas seus efeitos laterais e baixa eficácia impediram o seu uso17 principalmente pela vasoconstrição devido a redução do óxido nítrico. A investigação atual percebeu que o grupo controlo não deveria ser “transfusão de sangue” e sim “sem transfusão”, pois os COBH seriam concebidos para tratar os doentes onde a transfusão não era uma opção9.
Atualmente o desenvolvimento de substitutos ao sangue visam oferecer oxigénio a regiões de grande carência, tratando hipóxias localizadas18.
Conclusão: Sabemos que a transfusão de componentes sanguíneos tem um papel muito importante na prática clínica atual, mas que também acarreta riscos ao doente. A anemia é o ponto fundamental da necessidade de transfusões de CE, e devemos juntar esforços e utilizar todos os meios conhecidos para prevení-la, tratá-la e evitar a utilização desnecessária de transfusões.
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